Tuesday, October 23, 2007

Se tem uma coisa que eu detesto, mas talvez não tanto quanto filas desalinhadas - a fila é reta, pô! - é gente lendo em metrô e ônibus. Não tô falando daquela uma sentada, lendo "O Segredo" com um pacote de biscoito sequilhos no colo enquanto espera chegar a estação Jabaquara. Tô falando daquele outro, em pé, apoiando o "Caçador de Pipas" no ferro do metrô ao mesmo tempo em que equilibra um fichário, um jornal, uma pasta de couro e um guarda-chuva e age como se o mundo não existisse ao seu redor. O metrô apertado, um entra e sai danado, e o cidadão ali, lendo tranquilamente como se a Enya cantasse ao seu ouvido enquanto gnomos do amor voam serelepes na asa de uma borboleta Papilio machaon. Tudo bem que a vida é corrida, o trânsito não pára (ou melhor, não anda) e talvez esse seja o único momento do dia em que você não terá absolutamente nada para fazer, com exceção dos vestibulentos japoneses concorrendo a uma vaga na USP que estão resolvendo problemas de aritmética até trepados de ponta cabeça no ferro do metrô. Mas mesmo assim, eu acho, além do absurdo de uma pessoa que quer se manter intacta lendo um livro no passa-aperta-estica-e-puxa-e-vai de um meio de transporte lotado, tudo uma grande fachada. Você por acaso já viu alguém lendo no meio da "buzunga" um livro entitulado "DST - Eu peguei. E agora?"? Ou ainda "Como ser feliz com suas duas personalidades e todas as outras mais que vierem pela frente"? Talvez aquele "1879,5 maneiras de levar sua secretária para cama sem ser processado" e o outro "Caçador de pombas", com uma capa que não tem nada relacionado com aves? Não. É sempre o livro "da moda", o lançamento do mês, como se alguém quisesse impressionar. Antes de comprovar a minha insanidade e dizer que tudo é uma conspiração, e isso é estratégia de marketing de agências que infiltram atores nos meios de transporte com os livros em mãos para nada além de divulgar, entre olhos atentos, o futuro top of the top das livrarias, vou relatar um recente acontecimento. Estava eu, sentada, claro, com minha recente aquisição em mãos. Compenetrada na leitura de meu "Memórias de minhas putas tristes", desviei, talvez por sentir o peso dos olhares, da página 27 para os olhos de uma senhora à minha frente. Ela não estava olhando para mim, e sim para a capa do livro, que muito diferente de prostituição, orgias e corpos desnudos, traz um simpático velhinho de costas, trajando roupas claras como se estivesse indo em direção a um novo plano espiritual. Talvez eu tenha flagrado no momento certo, talvez tenha sido a quarta vez que a senhora lia, incrédula, o título do livro. Mas pude acompanhar a metamorfose do rosto da velhinha, apertando os olhos, franzindo a testa e seguidamente arregalando os olhos e levantando as sobrancelhas a medida que eu podia ler, em seus lábios murchos, a pronúncia muda do título de meu livro. Fato é que todo mundo acha o máximo ler "O segredo", "Mulheres são de Vênus, homens são da putaqueopario" ou algum exemplar da prateleira de negócios e sucesso profissional. Porque não é possível. As pessoas só lêem isso? E o que é pior, só lêem isso de pé, no metrô e atrapalhando a circulação de outros? A minha vontade é de dar um tapão na "bunda" do livro, daquelas vontades que a gente tem quando passa um garçom com uma bandeja cheia de copos e garrafas.

Minha irritação com as pessoas que lêem por cima dos ombros de outras pessoas fica pra um próximo capítulo. E Paulo (o Bombonatti), você me deve um almoço.

3 Comments:

Blogger paulo said...

Adoro você e seu texto. Vamos almoçar.

10:58 AM  
Blogger André said...

Detesto pessoas que ficam quase 6 meses sem postar.

7:17 AM  
Blogger Gica Trierweiler Yabu said...

ficam quase seis meses sem postar e ainda voltam agitando. tenha modos, mocinha!

8:28 AM  

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