Monday, March 17, 2008

Prazo de Validade.

Estava há exatos 33 minutos frente à prateleira de cereais matinais. Era seu local preferido dentro do supermercado. Tantas opções, tantas cores, tantos animais o convencendo de que aquele era o melhor cereal que existe. Não iria levar nenhum. Só gostava de ficar ali, observando. Nada demais, claro. Seu motivo era outro, afinal. O lugar era estratégico: mais cinco passos largos para a sua direita e estava no caixa. Muitas vezes levava um ou outro item, para disfarçar, claro. Nunca um cereal. Era óbvio demais. Quem comeria uma caixa de cereal inteira em apenas um dia? Por isso, para não causar desconfianças, levava uma lata de coca-cola. Às vezes um pacote de queijo parmesão e uma revista, como se estivesse ali apenas para buscar o queijo ralado que faltara para sua macarronada. A revista, porque era humilhante demais querer passar apenas 0,72 no Redeshop.

Roberto era o tipo solitário evoluído. Não se cadastrava em sites de relacionamento. As pessoas mentem muito. Também não pedia para amigos o apresentarem alguém legal, atraente e inteligente. As pessoas mentem muito. A última vez que o fizera, acabara em um boteco de dois metros quadrados, um pote de vidro com uma dúzia sardinhas submersas em um líquido bem distante de ser vinagre e uma grande chata que não deu a ele nada senão chato. Grande ironia. Uma chata com chato. E orkut, não fazia nenhum sentido. Achava um absurdo quando as pessoas apagavam seus comentários ou bloqueavam o álbum de fotos, alegando “privacidade”. Quer privacidade, não usa orkut, porra! Depois que descobrira os supermercados, não queria mais nenhuma tática. Ia direto à caça.

Ele acordava todas as manhãs às 7 horas. Tomava um banho, fazia a barba e comia qualquer coisa. Menos cereal. Escolhia uma roupa e se arrumava como se fosse para um encontro. Geralmente escolhia uma gravata cor-de-rosa ou amarrava um suéter nos ombros. Um detalhe intencionalmente calculado. As mulheres tinham certa simpatia por homens que não tinham necessidade de provar sua masculinidade a todo o momento. Quer maior prova de coragem do que usar um suéter amarrado nos ombros? Escolhia ou um ou outro. Nunca um suéter rosa. Aí já era caso de mudar a locação de sua busca. De supermercado para cruzeiro gay.

O supermercado era do outro lado da rua, o que facilitava todo o processo. A escolha da presa, a caça e, quando tinha mais sorte, o abate. Chegava todas as manhãs às 10 horas. Achava um horário propício para encontrar aquelas mulheres que moravam sozinhas e só têm o tempo de almoço para fazer as compras semanais. Fazia sua habitual ronda, lia alguns rótulos, se impressionava com a quantidade de calorias dos nugget’s recheados e ia para sua posição estratégica. Era ali, entre um tucano gay e um elefante de chocolate, que ele conhecia melhor suas vítimas.

O esquema era observar. Principalmente as compras da moça, passeando pela esteira do caixa. As que compravam chocolates, vinhos e velas eram as românticas. Roberto só se arriscava se a embalagem valesse muito a pena. Provavelmente a moça não comprara a garrafa para beber sozinha. Também era preciso ter cuidado com as que compravam mais do que duas barras de chocolate. Poderia tanto resultar em um delicioso bolo quanto numa grande depressão. E tudo o que Roberto não queria agora era uma mulher borrando de rímel sua camisa Ralph Lauren e o fazendo de psicólogo. Se as barras de chocolate vinham com um pacote de lenços e um livro de auto-ajuda chamado "Você pode ser feliz!", "Existe vida depois do rompimento", "Ele não merece você" ou qualquer coisa que faria um homem se enforcar com o cadarço do tênis, a ordem é correr pra direção oposta. As que compravam ricota, barras de cereais, granola e leite integral, eram as saudáveis. Geralmente em forma e geralmente obssessivas pela aparência. E isso não era exatamente um problema para Roberto.
Já as que Roberto mais gostava, eram as divertidas. As que tiravam do carrinho meia dúzia de limões, um pacote de açúcar, uma garrafa de vodka, amendoins salgados e que, naquele último instante antes de pagar, incluíam na compra camisinhas sabor morango com reservatório extra na ponta. Já as que carregavam um pacote de papel higiênico tamanho família, aveia e muitas fibras, Roberto queria distância. O descontrole emocional de uma mulher já era o bastante para ele. O que dirá o de outras áreas. Aliás, outra coisa que Roberto detestava era criança. Nunca teria filhos. E muito menos criaria os que outros homens ajudaram a colocar no mundo. E foi assim que Roberto deixou escapar a mulher de sua vida. Ela colocou na esteira do caixa quatro pacotes de danoninho.

Friday, March 07, 2008

Oras bolas

- Eu vou levar um par de cada!

Annie gostava de sapatos do mesmo jeito que Angelina Jolie gostava de crianças: tinha verdadeira obsessão e queria todos para si. Nascida Annie Hall Spinoza, homenagem de sua mãe ao filme de Diane Keaton produzido naquele ano, agradecia por não ter nascido um ano antes, caso contrário, correria o risco de se chamar “Rocky”.

Tinha tudo. Menos a sanidade que faria alguém não colocar o poodle da vizinha no microondas. Esse era seu maior problema. A maldade. Aos 6 anos de idade, trocara o leite de seu gato Peter por Creolina. Por pouco o bichano não morre. Apanhara com o cinto de couro de seu pai munida apenas de um estranho sorriso de satisfação, enquanto o gato, já sem pêlo algum, miava tristonho. Este episódio em particular pode ter desencadeado suas tendências sadomasoquistas que, num futuro não muito distante, começariam a dar o ar de sua graça. Quando completou 14 anos, insinuou-se, sob o forte cheiro de formol do laboratório de química, para Beto, colega de classe que nutria sentimentos pecaminosos pela mocinha. Quando o pobre abaixou suas calças, crente de que teria sua primeira e mais temida chupada, Annie tirou uma foto de seu membro e o deixou ali, vulnerável e literalmente na mão. Na manhã seguinte, pôsteres estampando um finíssimo pênis ilustravam as paredes do colégio. Daí viera o apelido “Beto Tubo de Ensaio”. Em sua festa de 23 anos, Annie fizera com que o garçom do bar em que comemorava seu aniversário fosse demitido, contando ao dono do bar, entre soluços e lágrimas de crocodilo, que o rapaz passava a boca das garrafas em seu ânus antes de entregar para os clientes. O coitado saíra aos prantos, resmungando algo sobre sua esposa ter acabado de dar à luz a trigêmeos, enquanto Annie segurava o riso e aceitava as desculpas do dono do estabelecimento.

Talvez por isso, para se punir por tudo que havia feito de errado, casara com Modesto. E esse, não tinha nada. Modesto era modesto. Não acreditava em seu potencial, talvez por não tê-lo mesmo, e sempre se achava menos. Menos inteligente, menos engraçado, menos interessante. Já Annie, o achava ruim. Ruim de cama, principalmente. Às vezes se perguntava o que estava fazendo com um paspalho desses. Então lembrava de seu vício por sapatos. Não que ele os pagasse, muito pelo contrário. Modesto era, inclusive, menos até na sua profissão. Não recebia um aumento há 3 anos e convenhamos, seu salário mal pagava o aluguel. Mas que outro homem aceitaria ter seus testículos pisados pelos saltos dos sapatos novos de Annie? Era a única vez em que ela gozava.